Notícia
Riscos de transmissão de doenças em serviços de beleza
Sem os devidos cuidados, há risco de transmissão de vírus, fungos e bactérias
Antonio Scarpinetti e André Vieira, Jornal da Unicamp.
As profissionais dos institutos de embelezamento ou salões de beleza, como manicures, pedicuros e podólogas, submetem os instrumentos que utilizam a processos de limpeza e esterilização adequados antes do uso? Se os instrumentos perfurocortantes como alicates de unha e cutícula, espátulas de metal, dentre outros, que provocam abrasões na derme ou epiderme, não forem devidamente processados, há o risco de transmissão de microrganismos como vírus, fungos e bactérias. Podem também gerar infecções e se constituírem em veículos para a transmissão de doenças infectocontagiosas como as onicomicoses e as hepatites B e C, as quais se têm proliferado de forma alarmante, e até o vírus HIV.
Como os salões de beleza podem evitar a transmissão desses agentes infectantes? A literatura considera que a esterilização desses instrumentos deve ser antecedida por sua lavagem com detergente enzimático, escova e enxague abundante para que os resíduos orgânicos não fiquem neles impregnados. Depois de secos devem ser embalados antes do processo de esterilização, o que impede a reprodução de todos os organismos presentes. A esterilização pode ser realizada com a utilização de calor seco, em estufa ou forno de Pasteur, a 1700 °C durante 60 minutos; mas pode ser feita usando-se vapor saturado sob pressão, em autoclaves, a 1340 °C por 15 minutos. As embalagens adequadas utilizadas nos dois casos devem ser abertas apenas por ocasião do uso dos instrumentos, com técnica asséptica, para evitar eventuais contaminações.
Essas preocupações, aliadas à grande procura por serviços de embelezamento, suscitam ações de prevenção e promoção da saúde. Em decorrência disto, desde 2005, vêm sendo desenvolvidos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) trabalhos que têm o intuito de verificar como é realizado o processamento dos instrumentos perfurocortantes usados em institutos de beleza. Nesses estudos foi elaborado um questionário que permite identificar como ocorre o processamento de alicates de unha e de cutícula, espátulas de metal e outras ferramentas em seus locais de uso. Os dados obtidos a partir do questionário, aplicado em dois municípios do Estado de São Paulo e devidamente validado, mostraram que a forma como manicures, pedicuros e podólogos realizam o processamento dos instrumentos apresenta falhas, não garantindo seu uso com segurança.
A partir daí nasceu, na Faculdade de Enfermagem (FEnf) da Unicamp, o projeto “Biossegurança na prestação de serviços de beleza e podologia”, coordenado pela Profa. Dra. Maria Isabel Pedreira de Freitas. O seu objetivo foi o de promover uma mudança de comportamento através de oferecimento de curso para os profissionais dos salões de beleza de Campinas. Para tanto, a docente organizou uma equipe de múltiplas capacitações e experiências. Dela fazem parte o médico Dr. Carlos Emílio Levy, professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, responsável pelo Laboratório de Patologia Clínica do Hospital das Clínicas da Unicamp (HC-Unicamp); a enfermeira Dra. Maria Filomena Gouveia de Vilela, da FEnf; a Profa. Dra. Dirce Zan da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp; a farmacêutica Juliana Rossato Braga, que atua na formação de profissionais do ramo da beleza no Serviço Nacional do Comercio – Senac-Jundiaí; a enfermeira Dra. Vanessa Vilas Boas, da Comissão de Controle de Infecções Hospitalares, do Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti (Caism) da Unicamp; e as graduandas da FEnf Ágatha de Souza Melo Pincelli, Amanda Stepnanie de Souza, Talita Rodrigues Nicácio e Thais Aparecida Porcari. O projeto foi patrocinado pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac).
O início
A ideia que culminou na realização do trabalho surgiu em 2005, a partir de um artigo publicado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), de autoria do infectologista Roberto Focaccia, da USP, chamando a atenção sobre suspeita de que o aumento exponencial da hepatite estivesse ocorrendo por transmissão em barbearias e manicures. Logo depois, pesquisa realizada por uma orientada do professor revela que cerca de 30% das manicures de São Paulo tinham contraído hepatite B. Além disso, estudo desenvolvido em prisões do Canadá, com vistas a determinar as causas da vertiginosa incidência de hepatites e de Aids entre os prisioneiros, constata que estes se faziam tatuagens mutuamente em condições precárias de higiene.
Ao agrupar os dados de estudos realizados na Unicamp no final de 2012 e no início de 2014, concluiu-se que apenas 21% dos institutos de beleza estudados realizavam o processamento dos instrumentos em todas as etapas e 74% deles realizavam a limpeza com água que, se bem feita, pode remover os microorganismos presentes, apesar de não suficiente. Embora 68% possuíssem estufa e 32%, autoclave, nem sempre os profissionais as utilizavam corretamente, pois, em 66% dos casos, a estufa era aberta antes do tempo devido. Além do que, conforme mostra a literatura, a lavagem adequada é essencial antes da esterilização para a remoção total da carga microbiana, mesmo porque se não realizada ou ineficiente a sujidade remanescente pode impedir a desinfecção e esterilização por limitar a ação dos agentes esterilizantes devido à formação de biofilme. Por outro lado, falhas no processo de esterilização impedem que ocorra a desnaturação e inativação de células microbianas. Ou seja, as etapas realizadas sem critério não garantem que a instrumentação possa ser utilizada de modo seguro.
Agentes infectantes
O médico Carlos Emilio Levy, do Departamento de Patologia Clínica, do HC da Unicamp, lembra que o HIV e as hepatites B e C, além de terem como vias de contaminação o compartilhamento de seringas, as relações sexuais, acidentes com perfurocortantes em serviços de saúde, tatuagens, agulhas de acupuntura não devidamente esterilizados, também podem se propagar através de instrumentos contaminados com sangue não devidamente esterilizados utilizados por manicures, pedicures e podólogos.
As onicomicoses ou infecções fúngicas por dermatófitos ou fungos do gênero Cândida, ou ainda por bactérias como o Staphylococcus aureus, Streptococcus pyogenes ou Pseudomonas aeruginosa, constituem doenças localizadas e de efeitos mais estéticos, mas delas podem resultar alteração da forma ou perda total da unha e até exigir drenagem de abscessos.
Leia a reportagem completa no Jornal da Unicamp.
Fonte: Carmo Gallo Netto, Jornal da Unicamp. Imagem: Antonio Scarpinetti e André Vieira
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