Notícia

Polímero a base de óleo de mamona é biocompatível e poderá ser usado em próteses

Grupo de pesquisadores da FEQ-Unicamp desenvolve novo plástico

Antônio Scarpinetti e Fábio Reis, Unicamp

Fonte

Unicamp

Data

sábado, 3 outubro 2015 13:20

Áreas

Biomateriais. Biomecânica. Biotecnologia.

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram um método para a produção de plásticos biocompatíveis, que potencialmente podem ser usados em próteses e outras aplicações médicas, a partir de matérias-primas naturais como óleo de mamona e ácido cítrico, o mesmo encontrado na laranja e no limão. Esse uso do ácido cítrico já gerou uma patente para a Universidade, e é apresentado na tese de doutorado “Síntese de biopolímeros a partir de óleo de mamona para aplicações médicas”, defendida pela pesquisadora colombiana Natalia Lorena Parada Hernández na Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp e orientada pela Profa. Dra. Maria Regina Wolf Maciel, do Departamento de Processos Químicos da FEQ.

O óleo de mamona já foi usado na produção de próteses, só que trazia alguns problemas já identificados nas aplicações e reportados na literatura”, disse o pesquisador e docente Prof. Dr. Rubens Maciel Filho, do Departamento de Desenvolvimento de Processos e Produtos (DDPP) da FEQ. Maciel falou ao Jornal da Unicamp ao lado da coorientadora da tese, Profa. Dra. Maria Ingrid Rocha Barbosa Schiavon. Dentre esses problemas estava a reatividade química do material – o polímero não era totalmente inerte. Este é um problema que o uso do ácido cítrico minimiza significantemente, disseram os pesquisadores.

É preciso garantir que o polímero seja biocompatível, avaliando se ele é tóxico, ou não, para a célula”, descreveu Maciel. “Ele não pode causar mal algum à célula. Um biomaterial deve ser inerte, ou ter interações benéficas, por exemplo possibilitando uma integração do tecido vivo, em que o tecido do corpo humano comece a crescer usando-o como base”.

“Muitos biopolímeros usam solventes tóxicos durante a síntese”, acrescentou Ingrid. “Buscamos livrar ao máximo toda a cadeia produtiva do polímero de agentes que possam trazer alguma toxicidade”.

Processo

Os pesquisadores explicam que a produção de polímeros, como poliésteres, a partir do óleo de mamona envolve um processo chamado epoxidação, em que o óleo se torna quimicamente reativo, e uma “cura”, quando as cadeias reativas de moléculas se ligam formando uma rede tridimensional, dando origem ao polímero. O processo de epoxidação contou com a colaboração do doutorando Anderson de Jesus Bonon, gerando também uma patente para a Unicamp.

“A epoxidação do óleo de mamona é a transformação do óleo no monômero que será a matéria-prima de partida para a síntese do polímero”, explicou a pesquisadora. Dentro desse processo não foi feito uso de qualquer solvente que apresente potencial toxicidade. Já o ácido cítrico entra na “cura”, ligando as redes de moléculas e garantindo que o plástico se mantenha rígido e inerte. Maciel disse que os testes para avaliar a toxicidade do plástico de mamona com ácido cítrico em células vivas já foram realizados, e prevê novos ensaios envolvendo animais e, mais para o futuro, em seres humanos, em parceria com a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e seguindo rigorosas diretrizes éticas.

“Essa tese tem uma contribuição muito interessante, que é a de agregar valor a um produto que o Brasil produz, que é o óleo de mamona. E todo o conceito e o desenvolvimento desse biomaterial se deu dentro dos preceitos de que não deve atacar, não deve prejudicar o corpo humano em hipótese alguma. Ele precisa ser desenvolvido e produzido sem qualquer tipo de solvente ou produto químico que altere ou que faça mal para o corpo humano. É um desafio você fazer algo realmente só com reagentes que permitam depois o uso desse polímero como biopolímero, compatível com a saúde humana”, disse Maciel.

Patente

Além de, em princípio, não apresentar toxicidade, o polímero criado na FEQ tem outras características atraentes: “Tem boa resistência química, resistência mecânica considerada boa para aplicações que não requerem muita rigidez e alta absorção de impacto, o que significa que ele tem muito potencial para ser utilizado, inicialmente, na construção de matrizes para crescimento celular [scaffolds]”, explicou Maciel. Além disso, ele pode ser utilizado na produção de películas para a proteção de ferimentos ou no auxílio à cicatrização.

“Se você tem uma área do corpo que requer um esforço físico maior, é necessário o desenvolvimento de um polímero mais rígido, que suporte esse tipo de tensão ou de esforço. Se a aplicação for para recobrir uma área para a recuperação de uma úlcera ou ferimento que requeira o uso de um filme, ou como parte de um agente que melhore a cicatrização de pessoas que têm doenças como diabetes, por exemplo, é possível produzir o polímero de forma que seja mais flexível”, exemplificou. “É um material com uma flexibilidade muito grande em termos de possíveis aplicações. Agora que o processo foi desenvolvido, abrem-se caminhos para trabalhar em condições apropriadas que permitam obter produtos com características desejadas, destinada a aplicações específicas.”

O uso do ácido cítrico na “cura” do plástico já foi patenteado no Brasil, com apoio da Agência de Inovação da Unicamp (Inova), e agora os pesquisadores têm interesse em proteger o invento internacionalmente. Maciel acredita que essa inovação tecnológica gerada na Unicamp irá interessar à indústria, já que ela será usada em produtos personalizados e de alto valor agregado.

“A produção de biomateriais não é uma commodity ou um material que possa ser adquirido facilmente, principalmente para aplicações específicas”, disse. “A tendência com os desenvolvimentos já realizados e as pesquisas em andamento é desenvolver partes customizadas, que atendam inclusive pacientes que hoje fazem uso do SUS com dificuldades de pagarem por materiais importados. Muitas pessoas acabam isoladas da sociedade e do mercado de trabalho por terem uma deficiência que pode ser corrigida ou minimizada, permitindo sua reinserção social. O desenvolvimento dos biomateriais e, depois, do dispositivo nas características desejadas envolve muita tecnologia, desde a formação do monômero até a constituição do material final no formato exato para implantação”.

Fonte: Carlos Orsi, Unicamp. Imagem: Antônio Scarpinetti e Fábio Reis

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