Notícia
Na Suíça, pesquisadora brasileira ajuda a melhorar a ciência do surfactante na biomecânica pulmonar
O surfactante pulmonar é um fluido especial liberado pelas células dos pulmões: para bebês prematuros e pacientes com COVID-19 em terapia intensiva, pode significar a diferença entre a vida e a morte
Daniel Winkler, ETH Zurique
Fonte
ETH Zurique | Instituto Federal de Tecnologia de Zurique
Data
sexta-feira, 9 junho 2023 17:35
Áreas
Bioengenharia. Biologia. Biomecânica. Bioquímica. Física Médica. Materiais. Medicina. Medicina Intensiva. Pneumologia.
Não é fácil acompanhar Maria Clara Novaes Silva enquanto ela caminha a passos largos pelos corredores do laboratório do professor Dr. Jan Vermant no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zurique), na Suíça. Em um minuto ela está lá em cima – no próximo minuto, ela está no porão sem janelas, vestindo um jaleco e se preparando para seu próximo experimento. Derramando cuidadosamente um líquido opaco em uma pequena câmara Perspex, ela imediatamente se torna calma e focada: “Esse fluido complexo foi obtido dos pulmões de animais – é chamado de surfactante pulmonar”, disse a brasileira. Ao longo de seu projeto de doutorado, Maria Clara Novaes Silva – engenheira química formada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com diploma pela Ecole Superieure de Physique et de Chimie Industrielles de La Ville de Paris (ESPCI Paris), na França – espera obter uma melhor compreensão dessa substância notável.
O surfactante é produzido por células especializadas nos pulmões. Facilita a respiração e evita que os alvéolos pulmonares colapsem após a expiração. O surfactante também tem importantes aplicações médicas. Se um bebê prematuro nasce antes que seus pulmões estejam totalmente desenvolvidos, ele tem uma chance muito menor de sobrevivência. Uma maneira pela qual os médicos podem ajudar é injetando surfactante nos pulmões para mantê-los funcionando adequadamente. Em pacientes com COVID-19 que precisam de um ventilador, as células alveolares que secretam o surfactante são prejudicadas.
O Dr. Jan Vermant, professor de Materiais (Soft Materials) e membro do Centro de Competência para Materiais e Processos do ETH Zurique, tem contato frequente com médicos e profissionais da saúde. Uma coisa que ele aprendeu com eles é que os pacientes em ventilação mecânica devem ser induzidos a respirar fundo de tempos em tempos porque uma taxa constante de ventilação causa a deterioração de sua função pulmonar. Especialistas médicos ainda estão explorando exatamente por que é tão importante que os pulmões sejam totalmente inflados regularmente – mas os pais jovens podem ser consolados pela noção de que seu bebê chorando está dando um bom treino aos pulmões!
“Respirar fundo de vez em quando é importante para nossa respiração”, disse Maria Clara. Ela suspeita que isso esteja de alguma forma relacionado à tensão superficial do surfactante. As forças intermoleculares agem para minimizar a área superficial de um líquido, e essa tensão superficial também é a razão pela qual as gotas de água são esféricas. Para testar sua hipótese, Maria Clara simula uma taxa média de respiração com a câmara Perspex. Ao fazer isso, ela também mede a tensão superficial do surfactante. Em um experimento inicial, o ar flui uniformemente para dentro e para fora da câmara para simular uma taxa de respiração em repouso. A tensão superficial neste caso é de 25 milinewtons por metro. “Isso é muito alto, pelo menos em um contexto de respiração. Se nossos pulmões estivessem sempre lutando contra esse nível de tensão superficial, respirar seria exaustivo!”, destacou a pesquisadora.
Em um segundo experimento, ela interrompe essa taxa de respiração constante em repouso com uma única e maior ingestão de ar após aproximadamente quatro ciclos de inspiração e expiração. Quando a respiração normal é retomada, a tensão superficial cai de 25 para 15. “Achamos que respirações profundas ocasionais podem ser um fator importante para reduzir a tensão superficial e facilitar a respiração”, sugeriu Maria Clara.
Para ilustrar sua hipótese, Maria Clara Silva preparou uma apresentação na sala de seminários. Ela explicou que nossas vias aéreas se ramificam mais de 20 vezes, dividindo-se continuamente em ramos cada vez menores – da traqueia, brônquios e bronquíolos até os alvéolos. No final desta árvore respiratória, os alvéolos formam uma rede de várias centenas de milhões de vesículas, conectadas por poros alveolares. Esses minúsculos sacos de ar inflam durante a inalação e desinflam durante a exalação – e são revestidos com surfactante para evitar que entrem em colapso após a exalação.
Respiração mais profunda
De volta ao laboratório, Maria Clara enche outro equipamento com surfactante animal. Existem apenas alguns desses equipamentos em todo o mundo, todos desenvolvidos no laboratório do ETH Zurique. No porão, o objetivo de Maria Clara era simular a respiração natural: algumas respirações suaves intercaladas por uma ocasional respiração profunda. No laboratório do andar de cima, a simulação é projetada para imitar várias respirações de repouso mais suaves que gradualmente se tornam cada vez mais profundas até se tornarem um suspiro profundo. Essas expansões e contrações causam alterações na área de superfície do surfactante. A agulha mede a tensão superficial durante todo o experimento, permitindo que Maria Clara determine o que acontece quando a respiração se torna mais profunda. Atualmente, seus resultados sugerem que essa expansão dos pulmões é o que reduz a tensão superficial e facilita a respiração.
“Obviamente, a situação nos pulmões é muito mais complexa! Mas, como cientistas de materiais, nossa tarefa é caracterizar as propriedades individuais de um material com a maior precisão possível, por isso tentamos deliberadamente desvendar a complexa interação entre as várias forças”, destacou a pesquisadora.
Maria Clara ainda tem mais um equipamento de teste para usar. Sob o microscópio há um pequeno anel com um orifício no meio. É cercado por poros minúsculos e preenchido com surfactante. Usando um dispositivo especial, Maria Clara aplica pressão no líquido. Ao fazer isso, o filme fica mais fino e acaba quebrando. “Não se preocupe, isso iria mesmo acontecer!” ela diz, sorrindo. Durante sua apresentação na sala de seminários, ela mencionou que os alvéolos são conectados por poros. Uma possibilidade, disse, é que a fina película de surfactante se rompa durante a respiração. Isso então equaliza a pressão dentro dos alvéolos através dos minúsculos poros entre as vesículas.
Injetar ou Inalar?
Maria Clara Silva está claramente fascinada por esse fluido misterioso. Mas seus experimentos com surfactante também são motivados pela busca de aplicações médicas. Isso inclui a administração de surfactante a bebês prematuros. Embora isso geralmente seja administrado como uma injeção, também existem abordagens não invasivas que envolvem a administração do surfactante como um aerossol por meio de uma máscara respiratória. “Esperamos que nossa pesquisa identifique parâmetros que possam aprimorar esse método. Ao entender os mecanismos em funcionamento aqui, podemos ajudar os especialistas médicos a criar ferramentas ainda melhores”, concluiu a doutoranda brasileira.
Acesse a notícia completa na página do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (em inglês).
Fonte: Corinne Johannssen, Revista Globe/ETH Zurique. Imagem: Maria Clara Novaes Silva em laboratório do ETH Zurique. Fonte: Daniel Winkler, ETH Zurique.
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