Notícia
Equipe multidisciplinar leva atendimento ao sertão da Bahia
Professores e alunos participam do Projeto Canudos
Divulgação, Unirio
Mais de cem anos após o massacre da população local, a atual cidade de Canudos, situada alguns quilômetros distante do povoado original, no sertão da Bahia, ainda enfrenta muitas das adversidades com as quais conviveram Antônio Conselheiro e seus seguidores. Felizmente, hoje, em vez de ataques militares, os habitantes recebem a visita periódica de professores e estudantes com a missão de propagar na região a saúde, a educação e o bem-estar. A aluna da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) Marina Resende participou da última edição do Projeto Canudos, desenvolvido pela Universidade Metodista de São Paulo em parceira com o Instituto Brasil Solidário. Por 15 dias, integrou equipe multidisciplinar que desenvolveu ações nos vilarejos de Rasinho, Canudos Velho e Rio do Vigário. Em entrevista, a estudante falou sobre o trabalho, contou como foi a experiência e revelou um pouco da cultura local.
Que atividades você desenvolveu no projeto?
Eu fazia visita domiciliares. A gente ia a cada casa, chamava a família, aferia a pressão de todos, pesava, fazia exame físico, media a glicemia, conferia a carteira de vacinação. Se houvesse bebê, a criança também era examinada. Prescrevíamos e fornecíamos alguns medicamentos antibióticos, cremes dermatológicos e suplementos de ferro e vitamina. Além disso, ensinamos noções de higiene: como o local não tem rede de esgoto nem água encanada, orientamos a pessoas a ferverem a água para consumo e fazer suas necessidades longe das habitações. Também fiz o toque retal dos homens, para verificar o estado da próstata, e exames ginecológicos com espéculo.
Quais eram os problemas de saúde mais comuns?
Hipertensão e diabetes, além de muitas doenças dermatológicas devido à contaminação da água. Algumas criancinhas tinham até queda de cabelo. A população toma banho com água do açude no qual são jogados dejetos e onde os animais também se banham. A água, barrenta, não passa por nenhum tipo de tratamento. Os mais idosos também têm muitos problemas com artrite e artrose.
Onde você ficou hospedada?
Ficamos alocados nas casas das famílias – cada “mãe” adota dois estudantes como “filhos”. No meu caso, fiquei junto com uma aluna de Odontologia da Universidade Metodista. Os organizadores do projeto se encarregam de comprar comida e pagar as mães para prepararem as refeições. Comemos, dormimos e tomamos banho na casa deles. A família que me abrigou tinha avós, filhos e netos. Uma das filhas mais velhas estava em São Paulo, mas a neta ficou. É muito comum isso por lá: na faixa dos 30 anos de idade, as pessoas deixam o filho com a avó e vão para outro lugar. Em diversas casas há a figura do bebê que é filho daquele que partiu.
Qual foi a parte mais dura do trabalho?
Foi muito difícil a questão de não haver banheiro dentro das moradias. Geralmente, há uma “casinha” separada, com um chuveiro frio e uma privada ou fossa. As casas também não têm a menor privacidade. Era aquele tipo de casa de roça que não tem o teto e você escuta tudo do quarto ao lado – isso quando havia cômodos. Apesar disso, eles não são pessoas infelizes. São felizes, dentro das limitações deles, estão satisfeitos, fazem as festas deles, lidam com as dificuldades, celebram as menores coisas que acontecem. Um dia, caiu uma chuvinha e eles já ficaram alegres – e nem época de seca era, a paisagem estava até muito verde!
O que você aprendeu com a experiência?
Percebi que o conceito de bem-estar e felicidade deles é muito diferente do nosso. Criamos necessidades que, pra eles, não existem. Às vezes, perdemos a simplicidade das coisas. Vi a dificuldade que essas pessoas têm de acesso à água, alimentação e saúde, e notei que elas são menos fúteis em relação à ideia de “felicidade”. O uso que fazem do tempo é diferente. Ficam sentadas na varanda conversando depois de voltar da escola ou fazer comida. Como quase todos são parentes entre si, um entra na casa do outro, não existe essa cultura de portas fechadas.
Você acredita que as orientações prestadas terão efeito no dia a dia da população?
Acho que sim, pois explicamos de forma leiga, bem simples. “Sabe como tem que fazer com a água?” Pegávamos a água, colocávamos para ferver na frente deles. Desenhávamos como os remédios deveriam ser tomados, indicávamos onde e quando eles deveriam ser solicitados, explicávamos minuciosamente o que deveria ser feito. Além disso, todas as crianças foram medicadas contra verminose. Como eram duas doses, fomos à escola dois dias seguidos dar o remédio a elas. Os alunos faltosos receberam a visita em casa.
As visitas são anuais?
Não, o projeto vai a Canudos várias vezes ao ano. Em junho, os participantes realizam uma expedição exploratória e, depois, retornam para fazer atendimentos médicos. Também vão em outubro, levar presente para as crianças, e após o Natal, em janeiro. A proposta é manter a presença na comunidade, levando a eles um pouco de entretenimento, além das ações de saúde.
Como você avalia o impacto do projeto na comunidade a longo prazo?
Eles esperam o ano inteiro por essa visita. Quando chegamos lá, por volta de 1h da manhã, de ônibus, todas as mães estavam na praça esperando a gente. Teve uma mãe que não recebeu nenhum filho esse ano, e ficou superchateada, tivemos que conversar com ela. As crianças escrevem e entregam cartinhas dizendo que amam a gente. Muitas vezes, esse é o único atendimento de saúde que eles têm o ano inteiro. Então, eles esperam e acreditam que a gente faça mesmo a diferença.
Vídeo Institucional do Projeto Canudos:
Fonte: Gabriella Praça. UNIRIO. Imagem Divulgação.
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