Notícia
Para avançar na descoberta de fármacos, Brasil precisa fortalecer química medicinal
Faltam profissionais e infraestrutura experimental na área de química medicinal

Divulgação, CNPEM
O Brasil tem um grande potencial no que se refere à descoberta de novos medicamentos contra doenças negligenciadas. Existem, no entanto, barreiras importantes a serem superadas, entre elas a falta de profissionais e de infraestrutura experimental na área de química medicinal.
Esta foi a avaliação de diversos especialistas brasileiros e estrangeiros ouvidos pela Agência FAPESP durante a São Paulo School of Advanced Science on Neglected Diseases Drug Discovery – Focus on Kinetoplastids (SPSAS-ND3).
O evento, apoiado pela FAPESP, reuniu em Campinas (SP), de 14 a 24 de junho, 40 palestrantes e 87 estudantes das três principais áreas envolvidas no processo de descoberta de drogas: química; farmacologia e modelos animais; parasitologia escreening (“triagem”) de novos compostos com ação biológica.
“A química medicinal precisa crescer e para isso é preciso preparar as novas gerações”, justificou o Dr. Lucio Freitas Junior, pesquisador do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) e coordenador da SPSAS-ND3.
Na avaliação do Dr. Eric Chatelain, chefe do setor de Descoberta de Novos Medicamentos da organização internacional sem fins lucrativos Drugs for Neglected Diseases initiative (DNDi), o Brasil conta com bons especialistas nas doenças-alvo e químicos capazes de sintetizar moléculas para serem testadas, mas a química medicinal ainda é pouco desenvolvida no país.
“Falta expertise e infraestrutura para realizar os testes de DMPK [metabolismo da droga e farmacocinética, na sigla em inglês] – fundamentais para orientar o químico no desenho e aperfeiçoamento de um novo composto. Essa é a maior lacuna do país. Os pesquisadores conseguem achar hits [moléculas com ação biológica de interesse, como, por exemplo, a de matar um parasita], e muitas vezes chegam a demonstrar atividade in vivo. Mas não conseguem ter todas as informações necessárias para fazer a otimização da molécula e assim perdem-se bons compostos”, afirmou.
Além de se ocupar com o desenho da molécula candidata a se tornar um medicamento, o químico medicinal procura entender como a substância interage dentro de um modelo biológico, seja ele uma célula, um animal de laboratório ou um paciente humano, explicou o Prof. Dr. Ronaldo Pilli, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Por meio dos chamados ensaios de ADME (administração, distribuição, metabolismo e excreção), geralmente feitos em animais, esse profissional investiga se o composto, que em um screening inicial mostrou a capacidade de matar um patógeno, tem também outras propriedades necessárias para tornar-se um candidato a medicamento.
“É preciso ver se o composto não é destruído ao chegar no estômago ou no intestino, se não é totalmente metabolizado no fígado, se consegue chegar ao local da infecção, se interage com células de outros órgãos e se apresenta alguma atividade tóxica, além de se avaliar o tempo que leva para ser excretado. Depois de estudar como é a solubilidade, a estabilidade química e a metabolização do composto original, o químico medicinal pode sugerir ao químico orgânico sintético modificações estruturais na molécula que ajudem a otimizar sua ação”, disse o professor Pilli.
Durante o evento, diversos especialistas ressaltaram a importância de que esses estudos de farmacocinética e farmacodinâmica sejam feitos logo nas etapas iniciais do processo de descoberta de drogas.
Segundo a Dra. Susan Charman, diretora do Centre for Drug Candidate Optimisation do Monash Institute of Pharmaceutical Sciences, na Austrália, os países que já adotaram essa prática conseguiram reduzir significativamente as falhas de candidatos a fármaco que chegam até a fase de ensaios clínicos.
“As moléculas que não demonstrarem todas as características necessárias para se tornar um medicamento e não tiverem o perfil necessário para tratar a doença-alvo devem ser descartadas o mais rapidamente possível para reduzir o desperdício de dinheiro”, afirmou em sua apresentação o Dr. Gilles Courtemanche, diretor da Unidade de Antimicrobianos do Bioaster Technology Research Institute, da França.
Courtemanche disse que a ciência básica no Brasil tem um bom nível, mas que o país não conseguirá avançar se não fortalecer a área de química medicinal e de ADME. “É preciso treinar pessoas, criar laboratórios, serviços especializados”, avaliou.
De acordo com o professor Pilli, as universidades brasileiras não contam hoje com serviços especializados em testes de ADME e muitas vezes os pesquisadores precisam pagar para fazer os testes em outros locais.
“Na academia, vemos muitos compostos com boa atividade biológica e, se houvesse um serviço de ADME disponível, poderíamos fazer os testes e descartar aqueles que não fossem realmente interessantes. Mas muitas vezes é preciso avaliar toda uma série de compostos para escolher o melhor e, se tivermos que pagar por todos os testes, o custo seria extraordinário”, disse Pilli.
A falta de serviços especializados para testar os hits encontrados nas pesquisas nacionais também é apontada pelo Prof. Dr. Carlos Roque Duarte Correia, professor da Unicamp e membro da equipe do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.
“Temos, nos laboratórios, bons profissionais para sintetizar os compostos, mas nem sempre encontramos um colaborador que tenha como prioridade testar essas moléculas. De maneira geral, os ensaios são feitos por alunos de mestrado ou de doutorado e, quando estes terminam a pós-graduação, o trabalho praticamente para”, disse Correia.
“As chances de um composto com ação biológica ter futuro são mínimas, mas é preciso tentar. São necessários fortes investimentos, a conscientização de que isso é necessário e, claro, a participação da indústria farmacêutica, pois nenhuma agência de fomento conseguiria financiar sozinha esses estudos”, acrescentou.
Leia mais na reportagem da Agência Fapesp.
Fonte: Karina Toledo, Agência Fapesp. Imagem: Divulgação, CNPEM.
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