Notícia
Cientistas propõem ‘reboot’ na pesquisa e desenvolvimento de produtos biomédicos em favor do interesse público
Dezenove cientistas de destaque mundial reforçam que a inequidade no acesso aos frutos da pesquisa durante a pandemia de COVID-19 tornou ainda mais evidente a urgência de revisar e reorientar o sistema de pesquisa e desenvolvimento para a Saúde
Claudia van Zyl via Unsplash
Fonte
Fiocruz | Fundação Oswaldo Cruz
Data
quarta-feira, 16 fevereiro 2022 16:55
Áreas
Saúde Pública.
Um artigo publicado recentemente na revista científica Nature defende a necessidade de ‘dar um reboot’ na pesquisa e desenvolvimento (P&D) de produtos biomédicos em favor do interesse público global. Os autores – entre eles a presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Dra. Nísia Trindade Lima – destacam que a inequidade no acesso aos frutos da pesquisa durante a pandemia de COVID-19 tornou ainda mais evidente a urgência de revisar e reorientar esse sistema. Isso acontece mesmo quando países de baixa e média rendas participam de ensaios clínicos, sem uma garantia de acesso ao produto final.
O artigo Reboot biomedical R&D in the global public interest é assinado por 19 pessoas de destaque no meio científico e de diferentes países, como a indiana Dra. Soumya Swaminathan, cientista chefe na Organização Mundial de Saúde (OMS); o francês Dr. Bernard Pécoul, diretor-executivo da Drugs for Neglected Diseases; o grego Dr. Christos Christou, presidente internacional da organização Médicos sem Fronteiras; e a Dra. Suerie Moon, dos Estados Unidos, codiretora do Global Health Centre.
Apesar dos avanços tecnológicos, os autores abordam quatro grandes preocupações no campo da pesquisa e desenvolvimento de produtos biomédicos. A primeira é a falta de medicamentos em áreas onde não há incentivos adequados para atrair o investimento privado, o que atinge diretamente as doenças negligenciadas relacionadas à pobreza. A segunda é o vagaroso progresso em algumas áreas, como em relação ao mal de Alzheimer. O texto cita ainda o risco de reações adversas. E, por fim, a dificuldade de acesso a tecnologias, causada por preços altos, produção insuficiente ou suprimento inadequado.
Apesar disso, a P&D em produtos biomédicos se torna cada vez mais global, com crescimento de capacidade, investimento e redes em países de baixa e média rendas, destacou o artigo. E, com os mercados de medicamentos globalizados, pessoas em diferentes continentes pagam pela tecnologia em saúde – do próprio bolso ou por meio de seguros públicos e privados.
O artigo lembra que hoje a P&D é conduzida tanto por instituições públicas quanto privadas; financiada por contribuintes, organizações filantrópicas, empresas, investidores e pacientes; e delineadas por agências e políticas públicas. Todos esses agentes deveriam ajudar a reorientar o sistema de P&D para melhor servir o interesse público global, defendem os autores. Para isso, deveriam responder a três perguntas: por que fazer P&D; como e para quem?
Prioridades
A resposta para a primeira pergunta é estabelecer e responder às prioridades nas necessidades da saúde, como novos antibióticos, e avançar no conhecimento. Sem isso, o mercado decidiria com base no maior lucro e no menor risco. Para se ter uma ideia, dos mais de 56 mil candidatos a produtos hoje em desenvolvimento, 57% são destinados a tumores cancerígenos, e apenas 0,5% são relativos a doenças tropicais negligenciadas, que afetam aproximadamente dois bilhões de pessoas. O artigo defende ainda que as prioridades sejam estabelecidas por meio de um processo transparente, inclusivo e adaptável, engajando a comunidade e levando em conta as necessidades dos pacientes. No entanto, essas prioridades são geralmente decididas pelos países doadores ricos.
Em resposta à segunda pergunta, o texto destaca que as pesquisas e desenvolvimento biomédicos devem ser éticos, sólidos, abertos e justos. E, embora existam regras para isso, na prática, nem sempre esse padrão é alcançado. Com a crescente terceirização de pesquisas e a globalização de ensaios clínicos, é necessária uma supervisão mais de perto a fim de gerenciar os riscos. O texto destaca ainda que a ciência aberta melhora a eficiência e acelera o progresso científico, ao compartilhar dados, processos e resultados. Mas a maioria dos ensaios clínicos não é informada a tempo, lembram os pesquisadores.
A COVID-19, no entanto, permitiu avanços, como a publicação de protocolos de ensaios de vacinas, colaboração em larga escala e compartilhamento de dados por meio de iniciativas como a WHO Solidarity (da OMS) e UK RECOVERY, ressaltaram os autores. Mas mudanças significativas nas regras e incentivos são necessários para assegurar o rápido compartilhamento de estudos, processos e resultados. É também crucial administrar a propriedade intelectual de forma a maximizar os benefícios sociais do conhecimento e não meramente gerar novas invenções.
Países de média e baixa renda que participaram dos estudos clínicos das vacinas contra a COVID-19, por exemplo, receberam menos doses per capita do que os de alta renda. Pesquisadores da África do Sul compartilharam o sequenciamento genômico da variante Ômicron, o que permitiu aos produtores iniciarem pesquisas para uma possível adaptação dos medicamentos e das vacinas já existentes, mas sem garantias de que esses produtos cheguem ao seu país. “Há uma clara inequidade global”, diz o texto, e “é necessária uma adoção mais ampla da ciência aberta e do compartilhamento de benefícios”. A COVID-19 mostrou ainda que o investimento em capacidade científica, regulatória e tecnológica deve ser uma prioridade política para os países independentemente de seu nível de desenvolvimento.
Acesse o artigo completo (em inglês).
Acesse a notícia completa na página da Agência Fiocruz de Notícias.
Fonte: Cristina Azevedo, Agência Fiocruz de Notícias. Imagem: Claudia van Zyl via Unsplash.
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